sábado, 20 de maio de 2017

O movimento

Ele anseia de corpo inteiro. Inspira como se em um respiro fosse capaz de ingerir o ar entocado em cada canto da casa e em seguida empurra no expiro todo o ar de volta aos seus lugares de origem. O peito que sobe e desce é o único movimento que faz. De resto, só há o movimento das pás do ventilador no teto. O quarto só não pareceria silencioso para ele, que a partir da respiração está no centro do barulho. Sente que nunca mais vai levantar da cama, nem quer. Porque de nada adianta colocar os pés para fora do quarto, da casa, de nada vale sair na praça se não vai criar as asas. Se em lugar algum encontra a liberdade. Por isso permanece na cama, e ansiando. Hoje mais cedo teve um pensamento esquisito, mas de uma forma estranha apaziguador. Precisava desse pensamento para que não fosse até o fim, criou como o último recurso, e se nas pernas não havia esperança, se na vontade não havia impulso que fosse o bastante, era preciso criar uma ideia como a última braçada.
E desde que nasceu o pensamento, seu corpo ainda está no mesmo lugar mas ele sente que já foi até o fundo de si e voltou.
Descobriu o segredo da mobilidade. A ideia era mais ou menos a seguinte: que mover-se não se tratava de uma questão física, corporal necessariamente, podia-se estar fora mesmo sem estar, como com uma música ou livro. Ele era incapaz do mergulho afora, poderia sair da casa, mas as salas, os quartos não sairiam dele, ele não sabia liberdade. Não tinha o tino de se buscar rua afora. Sair não funcionava em seu corpo, então ele entrava corpo adentro. Se ao fechar os olhos como agora conseguia enxergar mares, planetas, pessoas que o amam e brindam, se consegue enxergar qualquer coisa que deseja enxergar é porque todas essas coisas já estão ali. E ali não é imóvel, ele se transporta em um piscar de olhos, pode até ser outro. Como se dentro da respiração houvesse outra liberdade.

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