quarta-feira, 15 de novembro de 2017

canção mouca

não haverá música na estrada

o barulho não ecoa mais

o oco que em mim mora

não há música

em minha execução

não há gritos

sequer som


perdeu-se o amor em meio à romaria

todo som de meu silêncio é grito

todo grito que é meu é morto


não ser mais do que esse passo manso

mudez cheia de medos

pisoteando o chão


segunda-feira, 13 de novembro de 2017

Não há mensagem

Algumas vezes os problemas numa troca não são nenhuma das palavras que um enuncie, às vezes as chances de erro na expressão são relativamente poucas, e muito poderia ser aceito de boa vontade. O problema nessas vezes, e é por isso que baixas os olhos quando te reprimo com os meus olhos teu verbo exagerado, o problema não era teu verbo, mas teu modo de colocar teu verbo sem saber ler o meu. Interpretar-me literal como um produto, um rótulo de pastas de dente, uma caixa de leite. Interpretar-me como um texto de jornal. Reto e objetivo. Ou como se tivesse lendo meu diário, aspirando cada uma das minhas palavras como se fosse eu. Ignorando a sinuosidade a qual sempre clamo. Minhas palavras são e não são eu - não pense que sempre eu diga mais sobre mim do que eu disse. As palavras me são, por ser no que nos constituímos (deves saber já que não somos nada mais que o que dizemos), mas elas não me são de todo, se olhas com olhos concretos e objetivos. Elas na verdade permitem e até se excitam com uma dose de mentira. Posso dizer que sinto pedra e sentir ar. Posso atirar pratos no poema, quebrá-los em caquinhos, mas na vida é em mesmo prato que apoio minhas uvas e meus sonhos e minha decisão, meu rosto de certezas quando eu te digo que não quero que crie certezas sobre mim, porque meu corpo não é feito de palavras e nada do que eu faço é mensagem para ti.

sábado, 11 de novembro de 2017

no punho

minha veia é um rio

escalando a montanha

no dorso da mão

é estranha e azul


afago seu gomo

sua curvatura

é quem me torna

dissonante e turva


e assumindo-a

forço um punho

em meu sonho de nado

de escalada




quinta-feira, 9 de novembro de 2017

Adendo

........, eu te contamino todo em palavras.

Cada vez mais me afundo nessa abstinência de sentimentos. Cada vez mais inscrevo na pele tudo aquilo que não sinto nem sei sentir. Cada vez mais eu escrevo sobre aquilo que não sei e então me descubro saber cada vez menos. A poeira de cima da mesa, eu não sei, não a compreendo, nem tenho as metáforas necessárias. Posso dizer que equivale ao que sobra dos meus amores, mas é claro que não. Tudo é fingimento e pretensão – não acredite – eu danço por cima das mentiras.

quinta-feira, 2 de novembro de 2017

Casas de madeira, a cidade, e o que manda o sangue

O cenário do filme é tão simples que deslumbra. Há uma casa de madeira em meio ao mato, sozinha e escondida. Na platéia, ele suspira os sonhos que guarda. Sussurra para ela tu já morou numa casa de madeira? É quente no verão e fria no inverno. Ela sorri. O cenário é bonito mesmo, viver assim seria bonito, estar com ele. Mas o sangue que desliza no corpo, o sangue não mente dentro dela. Tudo ansia por cidade e movimento. Precisa estar onde está para que o sangue continue a seguir seu rumo. Mas se quer movimento, o que o corpo quer ali, prendendo as mãos em mãos do outro? Se quer prender-se, por que o sangue clama e clama por fluir? O corpo às vezes deseja tudo misturado. O sabor das contradições lhe é mais gostoso.
Ela tem medo. Parece estar de volta nas estradas por onde escapou. O filme é esteticamente bonito, mas às vezes ela se pega sem ouvir as falas, perdendo pedaços do enredo, no pensamento outros filmes. Estar ali é contraprodutivo, mas ela nunca foi uma pessoa prática. Abraça mais o corpo dele, que queima de um desejo e uma saudade. Quentura. Ele é tudo que ela sente de mais estranho, ele era tudo que dava e não dava certo. Ela não entende porque tudo se inquieta e o filme se impacienta, e só o que o corpo deseja é um passo e outro do corpo do outro. O movimento gostoso do corpo do outro. Um beijo mataria mil sedes que tivesse, ao mesmo tempo em que criasse mil sedes mais, a serem mortas na própria saliva. Ela tem medo, veste mais dúvidas. O que a boca anseia não é o que ela sabe e entende. Ela sabe o que o sangue já sabe: não está ali o que busca. Mas no modo como as coxas se apertam, no modo como palpita, ela esquece por um tempo do que havia de buscar.