As pedras
do chão me olham e dizem nada. Formam caminhos, brancos e pretos, sucessivos,
simultâneos na minha visão desatenta. Arranco os esmaltes das unhas. Guardo os
pedaços azuis num cantinho da bolsa. As pedras do chão não me dizem nada. As
pedras do rosto dele não me dizem nada. Me sinto a desconhecida que aparece num
enterro de filme, toda de preto, sem conhecer ninguém e se senta no
banco mais do canto. Mas ela não arranca os esmaltes das unhas, eu sim. E ela
não conhece, eu conheço o rosto dele, de pedra, de brita, morto, embora não
seja ele morto, pedroso quando ri, quando fala, eu observo de longe arrancando
pedaços de mim. Ele nãomorreumorreuumpouco. Ele fica sozinho e eu assisto em
luto. Mal conheço quem morreu, sinto mais que em tantas vezes. Não conheço, nem
olho para o espaço que todos olham. Olho para ele. Eu conheço ele. Eu não
conheço ele nem um pouco. Eu tenho medo do quanto não conheço ele. Eu tenho
medo do rosto de pedra que está morto enquanto fala. Eu já esqueço o que ele me
disse quando eu cheguei. Começava com emoção demais, emoção demais e ele não
queria emoção. Ele não quer derreter as pedras. Eu quero diluir todo gelo dele
em mim. Eu me mantenho distante, fria, amontoada, comendo meus esmaltes. Mas há
calor em mim. Calor que ele não vai sentir. Que as pedras do chão não sentirão.
Eu queria que o chão derretesse. Eu queria diluir todo ele na minha temperatura.