- Já sentiu o gosto da quietude? Amarga mais que esse vinho. Sou
todo dia berço de palavra não dita, repleta de verbo até o fígado. A palavra
contida, a vida a conter-se nas raízes. No copo, hoje, vou ser explosão de
palavra. E nenhum tabu, nenhum sentido vai escapar de meu verbo desesperado. Eu poderia ter dito em qualquer outro momento da vida, mas nesse gostaria que olhassem para os vincos da minha testa a seriedade que coloco no dito e na proposta. Eu cansei do apelo das boias. As boias, eu me agarrava mais e mais a elas e furava-as com as unhas. Não posso mais submeter meu corpo à segurança de manter-me sã. Não admito mais o grito contido que é me manter sã. E sinto muito se isso te ofende e perturba. Sinto muito se me prefere muda. Sinto muito se me coloco cada vez mais perto da morte. Eu preciso sentir a morte no verbo para falar. Minha voz se distila nas feridas. E eu falo cada vez mais, mesmo que use menos palavras, porque vou aos poucos aprendendo o que há de sangue em cada sílaba. E assim, mesmo que não saiba o que estou dizendo - agora não faço a menor ideia do que estou dizendo - tudo aquilo que enuncio é um peso ainda que liberte. Nenhuma palavra é em vão, sinto despencarem de mim todas elas. Me faço pedra para os teus carinhos, e ninguém nota. A palavra é a única que sabe quando estou sendo falsa. A única que sabe o medo que eu sinto de enganar-te. E eu preciso programar o fim desse silêncio. Toda palavra que contive pesa meu papel. No copo, hoje, vou ser verbo desesperado. E tu não vai ouvir, de novo. Tu sabe o que diz o canto de um pássaro?