sexta-feira, 19 de maio de 2017

Arrepio

Não, eu não sinto frio algum. Já disse a todos que me perguntaram, e vou continuar a dizer. Sei a sensação do clima penetrando a carne, já senti invernos. Mas é primavera, todos sabem. Não há mais gelo e eu não sinto frio, como eles também não sentem. Mas insistem, empurram para mim suas ideias de como sinto, mesmo que eu diga, e digo outra vez, que por uma das poucas vezes na vida o clima está dos mais agradáveis. Eu não sei, e pelo visto nenhum deles sabe, explicar o arrepio. Desde que comecei a senti-lo, tentei criar motivos, causas, tentei analisá-lo como se analisa os simbolismos em um livro. Os médicos olharam e se esforçaram a dar uma razão que fosse física e curável. O cura olhou e falou algo sobre o diabo. Eu não acredito em nada, mas assisto a meu braço, minha coxa, com curiosidade. O modo como cada fio se mantém estendido, esse jeito da pele se encher de bolinhas. Mas o braço está quente, e não tenho medo de nada, e nada ultimamente me excita. Não sei a explicação, ninguém sabe. Já faz dias que estou nesse arrepio perpétuo, que os pelos não mais se curvam, eu durmo acreditando uma mudança em estado, mas acordo e eles permanecem bem onde estavam. Eu digo e insisto que não sinto frio algum. Não é sobre temperatura a razão, embora seja o que querem me imputar, por esse sempre desejo de racionalizar algo que talvez não tenha um porquê. Estou quase me convencendo a não mais procurar saber, porque sei que a todos que eu perguntar, vão querer me dar sua opinião mais óbvia em estoque, vão querer dizer a solução que pareça mais sábia, para então eu ser grata aos seus diagnósticos. Recomendaram-me já acupuntura ou terapia. Mas eu sigo encarando meu arrepio e me acostumo, a pele sempre à flor. Mantenho meus arrepios quase com um certo amor, e se em alguns momentos eu tremo toda a região de pescoços e costas, como se alguém subitamente me assoprasse  na epiderme, como se houvesse a mais suave das mãos a fazer uma cócega, eu aceito como um destino. Eu digo outra vez que não é de medo ou de frio, eu abraço como um dom, uma outra espécie de sensibilidade o meu arrepio.

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