quarta-feira, 21 de junho de 2017

escuridão

diariamente

anoiteço minha vida

e nenhum posto

de nenhuma rua

ousaria luzes

neste breu

desci noite quase

sem lua na cidade

tão fechado 

meu tempo

que me comprimo

e me extremo

até a estrada

amanhecer


sábado, 17 de junho de 2017

Bloqueio

Quando a escrita se enferruja, a vista entristece e se modela em rotina. A escrita se oxida de medos. Se não for boa o suficiente será inferno, será pseudo, será kitsch, e pensar em poesia boa atrapalha a escrita. Todo tormento se revelará vão até perder o medo que se cria às vezes do confronto com os medos. Não importa a quantidade de coisas que eu ler ou planejar, parece que minha escrita não sairá da mente, mas das artérias.  

quinta-feira, 15 de junho de 2017

aquarela

o sol que mastiga o banco

avança sinfônico

lava ao redor a grama

em gema e sombra

e escala a madeira

como se bastasse


o sol despe aos poucos

da morte meu corpo 

matiza pés coxas unhas

enegrece e me arremessa

amarela ao mundo


quarta-feira, 14 de junho de 2017

Reversiva

Nos bancos azuis do ônibus sentavam rostos nossos e de outros, os pés quase se tocando, mas eu tão somente olhei para a janela e não vi assentos nem pés e evitei todas as faces principalmente do que causou o movimento de não olhar as faces. Sentada à janela do banco reversivo – o que encara e se coloca no alvo do encaro do resto do ônibus – aquele que deixa as pessoas tontas de ver a paisagem ao revés – dei graças a deus havia uma janela onde meu olhar se sumisse. Porque ele estava posto na minha frente, como um objeto de decoração a ser reparado depois de alguns minutos de feliz distração. Como um monstro que aparecesse numa tela, uma TV, um espelho, ele no meu olhar reversivo batendo na retina com mil estilhaços, com o arrepio e o menear dos meus braços e pernas e rostos todos se virando para o lado, escondendo-se na paisagem que corria ao contrário, que pra ele corria certa se ele olhasse a paisagem ou olhasse nos meus olhos o reflexo da paisagem que eu nem via. Mas se olhou, eu não vi. Nas fronteiras dos olhos ele parecia sublime e quis olhar de frente para desconstruí-lo e quis olhar de frente para enfeia-lo mas eu era fraca e não conseguiria, mas eu era fraca e não esqueceria a fisionomia de mágoa em que ele se transmuta, e eu tenho medo do tanto de mim mesma que enxergo e temo cair no meu abismo se olhar para frente para sempre e ele se grudar na minha retina e eu nunca conseguir mais remover nem com demaquilante nem com desinfetante e ficar a imagem dele de touca – primeira vez que o via de touca – para sempre me doendo bem como outras tantas cujos estilhaços eu já guardo, é um perigo, ônibus são um perigo, principalmente os bancos reversivos de se enxergar o contrário da paisagem e o universo do transporte como uma TV ligada num programa sem graça e triste como ver ele e saber não tê-lo e saber não querer querer tê-lo e ter medo de mergulhar tanto em mim que me descubra, sinto que preciso descer na próxima parada, senão eu olho, senão eu olho, senão eu morro, e é só um botão vermelho que periga acabar com meu perigo e eu queria? Sairia do ônibus na parada mais desconhecida dos rostos mais feios grotescos desconhecidos e numa lixeira vazia eu vomitaria toda minha mágoa todo meu enjoo da abordagem reversiva.

segunda-feira, 5 de junho de 2017

fim de tarde

uma assembleia de vozes

bafeja nos copos

discutindo o mundo

em cadeiras de praia


por entre os dedos

o mundo anota

o que não entenderam


domingo, 4 de junho de 2017

Estupor

Pouco importa se teu corpo espinha enquanto te mantém aí sentado, e todos teus cabelos se ouriçam, e toda pinta da tua pele se avermelha no contato com o ar. Tu mastiga tua angústia com raiva e, embora possua a delicada e mórbida textura da neve, o gosto que te fica na boca é quente e amargo. Pouco importa se tuas pernas cruzadas se colocam uma por sobre a outra e tu se paralisa, as costas grudadas nas costas da cadeira. Não importa: se teu choro sair, se teu choro for vivo, se teu choro manchar o banco, toma aqui o pano e seque a superfície. Olhares enviesados para a tua paralisia, há tantos outros para ocupar o mesmo banco. É injusta tua falta de flexibilidade. Não se move porque não quer, não anda porque teima em restar. Tu não vai mudar nunca e as cadeiras vão ser insuficientes para o teu desespero. Tu falhou no objetivo da vida, tu não foi o que esperavam as mãos nas tuas costas, tu ocupa os bancos de lágrima como se tivesse direito aos bancos. Nossas bocas passam julgando teu desânimo, nos esquecemos de quantos remédios andamos nós também tomando para nos mover dos bancos e deixá-los secos e plácidos.