sexta-feira, 30 de agosto de 2019

apelo

não chora por dentro hoje feito

máscara de vidro toda a água 

que não brota e que teria

em outras existências 

inundado a casa e salgado a comida

e afogado nossos corpos hoje se esconde

em duras urnas te peço não derrama 

adentro sem olhar meu rosto só 

o teto que não é o teto em teus olhos

mortos como um abajur

um travesseiro um saco plástico


não derrama a água que não molha 

e me inunda enquanto viro lençóis, enrolando um todo

de corpos que é o teu e o meu e os nossos mortos

que hoje não grito hoje não digo guias

de como tudo deveria ser e como é ruim

ser tudo que se é hoje eu me esqueço

e sou só corpo sem baixar de olhos    nada

sem silêncios: puros

sejamos nós acordados e secos

sorrisos de nó 

na garganta


segunda-feira, 26 de agosto de 2019

reconhecimento

me enterrei no percurso

finco o pé em cada passo
e grudo em mim
como um casulo

te achar não mudou o fluxo
nem o quão fundo
entram as raízes

nessa errância
meu pé ainda faz
o trabalho duro

mas agradeço
a companhia
em meu casulo

sexta-feira, 23 de agosto de 2019

precisão

porte de margarida

feridas nas patas – das pedras

e o olhar de quem pede perdão

às patas

mas não sabe o que é perdão


o que sabe: 

o guizo e a grama 

ossos, amor, sangue 

o próprio corpo 

a soma precisa de vida

a que levante e ande

feito um monge


o que mais sabe:

coçar-se muito cachorro

meditar nos olhos

nuvem, vento, eu

enquanto medito

seus olhos sem deus


segunda-feira, 12 de agosto de 2019

sumidouro

ainda que dos gritos na câmara

caleidoscópios de ecos

retumbassem pelos cantos


mesmo que tocassem piano

dentro de teus órgãos

que plangessem tuas cordas


não há retorno

só o outro. só um louco no vazio

não há voz que te espalhe

somente câmaras em eco 

somente a câmara onde deus 

não põe o olho

grita em vão no espaço oco

grita o oco, puro e plano



sexta-feira, 9 de agosto de 2019

pelo cheiro

eles viram que não penteei os cabelos
quando surgi no pino da estrada
já trajava esse estado
(perceberam)
eu não era cápsula
não tinha casca (eles viram)
toda a carne de dentro
para fora feito origami

notaram calos e mordidas
o odor do tempo deposto no corpo
que não tinha capa
que não era cápsula

sexta-feira, 2 de agosto de 2019

exílio

a amada me embala a cama

onde o corpo se enovela em fuga 

da frieza das paredes

estou bem no meio e tenho medo 

de escapar desta manta

oscilo os ombros na movência

de minha pele em suas mãos

sem pele

que embalam


criada a redoma encubro os dedos

em seu colo 

e com os olhos guardamos

o alicerce da casa

ninguém ameaça -- andamos reclusas

ela me despe da blusa

e dos males do mundo