Quando
ele apareceu, eu não sabia sentir. Havia um certo desespero por sentir algo,
como se minha mente ficasse nublada em busca das sensações. Ele era um ponto
branco em um palco tão distante da minha visão, que percorria uma multidão de
cabeças e telas luminosas até chegar ao que devia ser ele, e eu sabia que era,
pelo telão que flutuava-o em evidência, guitarra nos braços, cheio de histórias,
belo belo. Eu cantava junto a primeira música aos pulos, mas ainda procurando
no universo de dentro de mim como em uma espécie de mostruário qual o sentimento
a ser sentido. Cavava no fundo de mim porque queria me saber bebendo cada
minuto, precisava de algo que não sabia onde estava. Primeiras músicas e eu
ainda estava me abstraindo dentro de toda a energia que eu não sabia onde
canalizar. Eu voava para longe de mim e ainda assim tentava me fazer
significar. Minha mente se perdia tão longe naquele palco, no céu, adiante, e
depois me voltava bumerangue. Numa dessas voltas, numa das músicas, eu senti. Talvez
justamente de tanto que eu desejei sentir. E ainda assim nada tornaria aquilo menos real.
Eu estava bem dentro do meu corpo e da minha respiração, eu era toda a minha
imensidão. Ali onde estava. Na minha volta, ninguém fazia sentido - todos
faziam seus próprios sentidos, eu fazia o meu.
Em
uns instantes eu consegui captar o doce dos minutos escorrendo dentro de mim;
às vezes eu fechava os olhos cantando e estava plenamente dentro do minuto,
quase que no domínio do tempo, mesmo que somente de um fragmento. Minha voz me
ocupava toda ao acompanhar a música que ele tocava, ninguém podia escutá-la,
fundia-se ao som que se externava, mas continuava tão íntima e minha, tão
escondida me pertencia. Minha voz invadia discreta a melodia dele e a melodia
dele invadia a mim inteira. E esse é o momento em que, mesmo sem que ele perceba,
a gente se encontra; e as memórias que ele traz encontram um momento de
confluência com as memórias que eu trago. Saboreei num canto do sorriso nossa
conexão. Tudo aquilo que ele precisou passar, as escolhas que tomou, as pessoas
que conheceu, as inspirações que teve de repente deitado na cama para então se
levantar de súbito e escrever, ou tocar; pensei em toda a vida que ele continha
naqueles braços tão acostumados às guitarras, nas memórias que talvez viessem
junto com as músicas que cantava e só cantava porque um dia se sentou e fez
existirem. Tanta memória, tanto passado até que ele chegasse ali naquele dia
cantando a si mesmo para milhares de pessoas incluindo – uma gota de uma plateia
gigante – eu.
Li e reli, e do teu momento poético entendo que o show é tu, porque é único o tempo em que tu diz que tua mente se perde e te volta bumerangue.Eu gosto dessa curiosidade que tu desperta em mim, quando quero imaginar teu momento criativo.
ResponderExcluirSaudações!