A suavidade
fria do aeroporto contrasta com o abafado da rodoviária. A manhã que nem
iniciou inibe a presença ruidosa. Cada par ou grupo debate baixo entre si, mas
o silêncio seria de igreja se não houvesse a TV a batucar. A televisão parece
feita para quebrar os silêncios. Os passos chegam antes das pessoas. Seus
rostos são sucintos, demonstram serem neutros. Os lábios mortos de quem não se
excita. Uma atividade mais rotineira que viagens distantes e menos confortável
que voltar para a casa. Mas é só impressão. Seus olhos não dizem das terras que
testemunharão. Cada expressão toma um pouco do ambiente e se adéqua. Pela noite
tudo ainda é morto, as cadeiras e as malas pálidas . Mas daqui a pouco
amanhece. Lá fora está o avião. Acima das nuvens acho que nenhum olhar é morto,
nenhum lábio se fecha a não ser por medo. Há algo mais importante do que ser
humano quando se voa.
Pés
trancafiados em sandálias. Na TV, o carnaval. Em nós, a atitude voyeurística de
olhar o carnaval, a alegria alheia em uma pista que não é a sua. O problema do
carnaval da globo é que é tão global. Metade das pernas nuas desafia as saias
que cobrem as demais. O chão é de lajotas com estampas manchadas que guardam
uma assimetria assustadora. A vida está passando e não consigo escrever tão
rápido assim.
A precisão
cirúrgica do avião contrastando com as nuvens é o humano-matemático em contato
com o etéreo. Se há um céu maiúsculo, esse avião está lá. O mar de nuvens
emaranhadas se apresenta como um gigante campo de algodão. Elas parecem
não existir quando se está dentro delas. Só existem para as distâncias. Essa é
a tristeza de ser nuvem. Mas se existisse um deus em um Céu, seria lá onde ele
pisaria. Talvez seja melhor para as nuvens crer em deus. As nuvens são os
primeiros professores.
Os desconhecidos do avião são mais desconhecidos que os das ruas – seu anonimato está palpável, as polpas dos braços se encostam, a cabeça sempre periga rolar.
Do alto da
noite todo o chão da paisagem é feito de jóia. Ouro derretido por sobre uma
extensão de nadas. As luzes salvam os olhos de enxergarem o vazio. Todos os
lugares lá embaixo brilham vidas que dormem e refletem os olhos daqueles que
espiam na janela do avião.
A voragem de se agarrar à vida-bóia. O oceano ébrio não se dimensionaliza. O olho no furacão que se forma à revelia. Só há a pequena bóia e eu luto como se apenas boiar fosse vergonha. As unhas, os dentes, os olhos cravados, tudo focado na bóia-vida vida-bóia. Arranho-a no desespero por ela, que ela não é bastante para que eu não desmanche. Me afogo pelo desespero de não me afogar. Ansio, esmago-a, afundo na emergência de não afundar. Os olhos
domados pela luz. Os olhos órfãos nas trevas. Os olhos em luz e trevas são
órfãos e domados simultaneamente. A noite acende as velas para o contraste que
a manhã não tem.
O que mais falta no avião é o vento batendo na cara.
O pior meio de transporte do mundo é o que está parado.
O sono
enfim vence as minhas palavras;
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