sexta-feira, 20 de julho de 2018

Trovão

Afundo na cadeira até encontrar a essência da madeira e dos ferros e cair feito uma pulga. Me dobro até tornar-me um mesmo ponto, bidimensional. Presença plácida diminuta. A voz dele continua tentando me atingir como um trovão que explode nas beiradas. Vai continuar percorrendo o caminho decibélica. Eu vou estar pulga para sempre. O trovão tão alto que indefinível, tão alto que esqueço que existe, como aquele barulho eterno do universo que dizem ouvirmos desde o início. Não escuto mais. Sob a voz dele a noz do universo se quebra, mas quanto mais eu diminuo, menos distinta ela fica. Se o mundo se parte, caí nas frestas. Uma formiga diz bem mais. Vejo-a comprida como um cavalo em formato embolotado, não me olha, poderia me levar adiante na ânsia do progresso. É uma figura esquisita, mas lógica. Não escuta o trovão porque tem sentido. Eu não escuto porque estou fugindo. Quando ela se vai, estou sozinha dentro da cadeira. Quase fundida no universo das coisas diminutas. Estarei invisível para quem mirar essa cadeira vazia.
A cadeira não está vazia.
Eu juro. Algo existe.
De perto, a madeira tem um cheiro fortíssimo, me asfixia aos poucos, e tem farpas como lanças capazes de me assassinar. Estou farta de andar pela superfície que só de perto se nota irregular e perigosa. Cansei de tanto cismar no terreno do invisível. Eu me deito à sombra de uma farpa e vou sumindo, vou sumindo ao som do trovão que não termina.

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