sábado, 21 de julho de 2018

Nossos trens



Se eu disser que vi um pássaro
Sobre o teu sexo, deverias crer?
E se não for verdade, em nada mudará o Universo.
(Hilda Hilst. Do desejo)

Quando eu te contar que um trem passou por cima de teus pés, desacreditarás. Não sentiste a pressão nos dedos, desconheces essa dor, enxergas os pés inteiros, eles, que ainda percorrem os mesmos caminhos. Se eu dissesse que um trem passou em cima do teu pé, ririas. Se eu dissesse tantas coisas improváveis, ririas. Ou apertarias os olhos. Mas os pés ainda continuariam inteiros, os ossos em seus devidos espaços, preenchendo a função determinada pela biologia. Não verias trem que te desabalasse da ânsia de andar. Se eu dissesse que alguns trens são invisíveis, acharias ridícula essa minha mania de teoria absurda indo do nada a chegar no nada. Mas eu ainda veria os trens como um espectro por sobre tua caminhada. E deixaria, após tuas queixas, de alertar. Eu baixaria o olhar para o modo como os joelhos dobram, eu atentaria o olhar para os trens que invadem meu colo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário