quinta-feira, 19 de julho de 2018

Em cima

A casa da árvore é o topo dessa solidão. Entro nos sótãos de mim mesma: é como uma meditação sem o intento de o ser. A maneira mais particular de ser planta. Deito no chão de madeira, pelas frestas vejo por debaixo do meu corpo, coisa que apenas os chãos aéreos permitem. Gosto daqui. O vento gela a pele estriada. Como se minha carne fosse acrescida de suas qualidades de carne, ou não houvesse mais pele que a revestisse, e mesmo minha própria pele fosse formada da carne mais vermelha, sensível ao mundo.
Sou toda um ovo aberto.
Lânguida sob o vento, redescubro o corpo que esquecia ter.
Há um sol.
Ele se põe em mim entrecortado, em ondas de vento, seguindo o formato das folhas que lhe interceptam reflexos. Tem algo de aquático no seu chamado. Esse sol oscilante age como se refratado pelas águas de uma lagoa, segue um ritmo que é de outras praias. Todos os elementos estão aqui comigo, mesmo os que não estão. É o mais profundo de minha meditação. No seu ritmo de águas, como se admitisse um novo instrumento em sua orquestra, o sol perde sua intensidade geralmente escancarada. Adquire o caráter de sol meu, os raios se espalhando pelos detalhes de mim. Não há mais obscenidades, não é uma mão espalmada a abarcar meu corpo. Os dedos molhados do sol são macios por cima das coxas. Ternura. Minha maior casa é casa de vento. Espichando meu pescoço para trás de mim, vejo enviesados pássaros.

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